A regulação como catalisadora: o novo paradigma dos criptoativos no Brasil e no mundo
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Em janeiro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) aprovou os primeiros ETFs de bitcoin à vista, um movimento que transformou o cenário global de criptoativos. A medida não apenas legitimou o bitcoin como ativo financeiro perante investidores institucionais, como também integrou sua negociação à infraestrutura tradicional do mercado financeiro. O resultado foi contundente: em apenas um mês, os ETFs acumularam entradas líquidas de US$ 4,2 bilhões. Poucos meses depois, os ativos sob gestão nesses produtos ultrapassaram US$ 125 bilhões, de acordo com dados da Bloomberg (2024).
Esse salto expressivo não foi impulsionado exclusivamente pela maturidade tecnológica das criptomoedas. Ele foi, sobretudo, viabilizado por uma regulação robusta, articulada e estrategicamente implementada. A SEC montou uma força-tarefa especializada em ativos digitais, enquanto o governo federal americano reconheceu formalmente o bitcoin como um ativo estratégico — indo além da retórica, ao incorporar moedas digitais apreendidas em operações legais ao Tesouro Nacional. Essa convergência institucional, política e técnica forneceu ao mercado os pilares necessários para escalar com legitimidade, previsibilidade e segurança.
A lição que emerge do caso norte-americano é inequívoca: regulação, quando bem desenhada, não inibe a inovação — ela a habilita. Um marco legal claro reduz o risco sistêmico, atrai capital institucional e cria condições para a ampliação de acesso a novos mercados. O sucesso dos ETFs de bitcoin é, portanto, menos uma vitória da tecnologia e mais um exemplo contundente de como estruturas regulatórias podem catalisar transformações econômicas profundas.
No Brasil, esse processo está em curso. A promulgação da Lei nº 14.478/2022 atribuiu ao Banco Central a competência para regulamentar e supervisionar os prestadores de serviços relacionados a ativos virtuais. Em 2024, a autarquia avançou com três consultas públicas fundamentais: a primeira sobre os critérios para autorização e supervisão de players do setor; a segunda sobre a classificação dos modelos operacionais; e a terceira, voltada ao uso de stablecoins em operações de câmbio. Esses movimentos delineiam os contornos da infraestrutura regulatória nacional para o mercado cripto.
Entretanto, o caminho ainda está sendo pavimentado. Vários pontos críticos permanecem em aberto. Por exemplo, tokens lastreados em ativos do mundo real — como recebíveis, imóveis e créditos de energia — foram excluídos, até o momento, da definição legal de ativo virtual. Essa lacuna levanta preocupações quanto à cobertura regulatória sobre uma parcela significativa da chamada economia tokenizada.
Outro vetor de tensão é o pleito de corretoras de câmbio tradicionais para operar com stablecoins atreladas ao dólar, sob o argumento de que isso baratearia e democratizaria as remessas internacionais. Tal proposta, se acolhida, pode redesenhar fronteiras operacionais entre fintechs, bancos e plataformas digitais.
Essas disputas exemplificam uma dimensão essencial da regulação contemporânea: antes da publicação de normas definitivas, existe uma arena técnica, jurídica e política onde os rumos do mercado são decididos. Pareceres técnicos, minutas, audiências públicas e processos de consulta moldam, de forma decisiva, os parâmetros dentro dos quais a inovação poderá florescer ou ser restringida.
Para o setor financeiro e tecnológico brasileiro, entender essa dinâmica é imperativo. A regulação dos criptoativos não será um obstáculo, mas o novo terreno sobre o qual fintechs, bancos digitais, emissores de tokens e plataformas de pagamento precisarão construir suas estratégias. Ignorar esse processo é negligenciar as forças que determinarão a viabilidade de modelos de negócio, a atratividade de investimentos e a segurança jurídica das operações.
A experiência global já demonstrou que previsibilidade regulatória é um fator crítico para a institucionalização dos criptoativos. O Brasil tem, agora, a oportunidade de construir uma arquitetura normativa que não apenas responda a riscos, mas que também potencialize oportunidades.
Em um ambiente em que decisões regulatórias podem redirecionar fluxos bilionários, não basta reagir às normas prontas. É preciso estar presente no debate, compreender os sinais em construção e atuar com agilidade e inteligência técnica. A vantagem competitiva no setor de criptoativos em 2025 pertencerá a quem souber interpretar o regulador — e se antecipar a ele.