Infraestrutura regulatória como alavanca institucional: a evolução do bitcoin e os próximos passos no Brasil

A aprovação dos ETFs à vista de Bitcoin pela SEC em janeiro de 2024 foi um marco global para o mercado de criptoativos. Pela primeira vez, investidores puderam acessar Bitcoin em fundos regulados e listados em bolsas tradicionais, sem depender de derivativos ou da compra direta do ativo. Em poucas semanas, esses ETFs captaram bilhões de dólares, consolidando o Bitcoin como um ativo financeiro institucional (Forbes).

No entanto, o ponto central não está apenas na aprovação final. Esse resultado foi precedido por anos de disputas técnicas, consultas, pareceres e decisões judiciais. Em agosto de 2023, o Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia considerou “arbitrária e caprichosa” a posição da SEC ao rejeitar a proposta da Grayscale para converter seu fundo em ETF, já que produtos semelhantes — como ETFs de futuros de Bitcoin — haviam sido aprovados pela própria agência. A decisão obrigou a SEC a rever sua postura (law.justia.com). O que moldou o mercado não foi apenas a norma publicada, mas o acompanhamento contínuo do processo regulatório.

Esse exemplo ilustra como o espaço de atuação legítima se define antes da publicação da regra. Investidores institucionais, emissores e consultores que acompanharam as minutas, as disputas judiciais e as sinalizações da SEC conseguiram se preparar com antecedência. Já aqueles que esperaram a norma final apenas reagiram ao cenário pronto — muitas vezes tarde demais para reposicionar suas estratégias.

No Brasil, a trajetória segue lógica semelhante. A Lei nº 14.478/2022, conhecida como Marco Legal dos Ativos Virtuais, e o Decreto nº 11.563/2023 atribuíram ao Banco Central a competência para supervisionar prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs), enquanto a CVM segue responsável pelos ativos enquadrados como valores mobiliários (Planalto – Lei 14.478; Planalto – Decreto 11.563). Desde 2023, o Banco Central vem conduzindo consultas públicas sobre critérios de autorização, custódia e o uso de stablecoins em operações de câmbio (BCB – Consulta Pública nº 97/2023).

Essas consultas são onde de fato se definem riscos e oportunidades: quem poderá atuar, quais serão os limites operacionais, que exigências de capital ou de compliance serão impostas. Empresas e gestores que monitoram o processo nesse estágio têm capacidade de se antecipar, ajustar modelos de negócio e até influenciar a redação final. Já quem espera apenas a publicação da norma entra em desvantagem, limitado a reagir.

Além disso, há pontos ainda abertos no Brasil que reforçam a importância do monitoramento: tokens lastreados em ativos reais (RWAs) ficaram de fora da lei, criando incertezas jurídicas para parte do mercado; corretoras pressionam por regulamentação sobre stablecoins atreladas ao dólar, especialmente para remessas internacionais. Essas definições ainda estão em disputa — e só serão compreendidas por quem acompanha de perto o processo regulatório em andamento.

O caso americano e a experiência brasileira convergem para a mesma lição: a regulação se decide antes da norma final. Consultas, pareceres técnicos, debates setoriais e decisões judiciais são os momentos em que o mercado realmente é moldado. Para empresas, advogados e analistas, monitorar essas fases iniciais não é apenas uma ferramenta da gestão regulatória— é um diferencial estratégico para ocupar espaço de forma legítima, sustentável e segura.