A importância da antecipação regulatória no setor digital: o caso do PL das Fake News

O Projeto de Lei nº 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, é um dos exemplos mais emblemáticos de como a regulação digital no Brasil avança de forma incremental, mas com potenciais impactos disruptivos. Inicialmente proposto com foco exclusivo em redes sociais e serviços de mensagens privadas, o projeto evoluiu significativamente ao longo de três anos, ampliando seu escopo para incluir qualquer plataforma digital com mais de 10 milhões de usuários ativos.

Essa mudança de abrangência passou a atingir diretamente empresas que, até então, não eram tradicionalmente associadas à circulação de conteúdo, como marketplaces e aplicativos de delivery — incluindo iFood, Rappi, Uber Eats e Mercado Livre. Apesar de não serem produtoras de conteúdo, essas plataformas se viram diante de exigências como a transparência algorítmica, a obrigação de remoção de conteúdo nocivo e até mesmo a responsabilização por publicações de terceiros, como restaurantes ou vendedores.

A resposta institucional dessas empresas, no entanto, foi tardia. Apenas em 2023, quando o projeto entrou em regime de urgência no Congresso Nacional, essas organizações passaram a se mobilizar ativamente. Até então, não havia reação técnica ou articulação pública significativa. Nesse intervalo, o texto do projeto já havia amadurecido substancialmente, com apoio de parte do setor político e da sociedade civil, dificultando a reversão de dispositivos críticos para as operações dessas plataformas.

Esse cenário expõe uma falha estratégica recorrente no ambiente empresarial brasileiro: o acompanhamento reativo da produção legislativa. A literatura sobre políticas públicas demonstra que as decisões regulatórias não se materializam no momento da votação, mas são resultado de processos longos de formulação, consulta e barganha política. Como apontam Kingdon (1995) e Howlett, Ramesh & Perl (2009), a chamada “janela de oportunidade” para influenciar políticas públicas frequentemente se abre muito antes da visibilidade pública do problema.

No contexto da regulação digital, a velocidade de tramitação pode ser enganosa. Embora o PL das Fake News tenha tramitado por três anos, a ausência de interlocução técnica com o setor impactado permitiu a cristalização de dispositivos que exigem mudanças operacionais profundas. Entre eles, destacam-se a obrigação de fornecer critérios de ranqueamento de ofertas, a remoção ágil de denúncias feitas por usuários e a responsabilização por conteúdos patrocinados — exigências que, se não forem compreendidas em tempo hábil, podem gerar insegurança jurídica e prejuízos financeiros.

Segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mais de 83% da população brasileira está conectada à internet, e cerca de 64% realiza compras online regularmente. Isso evidencia a relevância crescente das plataformas digitais no cotidiano da sociedade e a necessidade de marcos regulatórios atualizados. No entanto, tais regulações precisam ser construídas com participação ativa dos atores econômicos, sob pena de comprometer a inovação e a competitividade.

A regulação proativa — que se antecipa aos riscos e tendências legislativas — deve ser incorporada à governança das empresas digitais. Departamentos jurídicos e de relações governamentais precisam atuar de forma integrada, com monitoramento constante dos projetos de lei, participação em consultas públicas e diálogo com stakeholders do Legislativo e do Executivo.

Em síntese, o caso do PL das Fake News evidencia que a regulação no Brasil não é súbita: ela é construída aos poucos e se torna urgente de repente. Acompanhar o processo legislativo desde o início é não apenas uma boa prática de compliance, mas uma exigência estratégica para qualquer organização que dependa de infraestrutura digital para operar.