A regulação da inteligência artificial no Brasil: avanços, desafios e perspectivas

Desde 2020, a atividade legislativa brasileira relacionada à inteligência artificial (IA) tem apresentado crescimento consistente, refletindo o amadurecimento do debate sobre o papel do Estado frente às transformações tecnológicas. Em 2019, apenas quatro proposições tratavam diretamente do tema. Em 2023, esse número saltou para 21, e até julho de 2025, já haviam sido apresentadas 19 novas propostas. O acumulado revela não apenas um aumento quantitativo, mas também qualitativo, com projetos mais robustos e tecnicamente embasados.

Esse movimento acompanha uma tendência global. Em junho de 2023, o Parlamento Europeu aprovou o AI Act, primeiro conjunto abrangente de regras voltadas à inteligência artificial, que estabelece obrigações proporcionais aos riscos associados a cada tipo de aplicação. A proposta aguarda aprovação final do Conselho da União Europeia, mas já serve como referência internacional.

No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.338/2023, fruto do trabalho de uma comissão de juristas instituída pelo Senado Federal, é o eixo central da discussão. O texto, aprovado pelo Senado em dezembro de 2024 e atualmente em análise na Câmara dos Deputados, adota uma abordagem baseada em risco — inspirada no modelo europeu, mas adaptada ao contexto nacional. Estão previstas categorias como sistemas de risco excessivo (proibidos), de alto risco (submetidos a requisitos rigorosos) e de risco limitado (sujeitos a obrigações básicas). Além disso, o PL define princípios como centralidade da pessoa humana, transparência, não discriminação, segurança, accountability e proteção de direitos fundamentais.

O avanço regulatório não se restringe ao âmbito federal. Em maio de 2025, Goiás sancionou a primeira lei estadual sobre IA do país, estabelecendo diretrizes éticas e políticas públicas específicas para áreas como saúde, meio ambiente e educação. Esse movimento regional antecipa a aplicação prática de regras enquanto o marco nacional segue em tramitação.

Em paralelo, o governo federal lançou em junho de 2025 o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, coordenado pelo MCTI. O documento reúne 73 ações estratégicas distribuídas entre eixos como inovação, segurança jurídica, governança e impacto social. A iniciativa busca alinhar políticas públicas, setor privado e comunidade científica em torno de um desenvolvimento responsável da IA.

Esse cenário se sustenta em dados econômicos significativos. Estimativas da PwC apontam que a IA pode acrescentar até 14% ao PIB global até 2030, o equivalente a US$ 15,7 trilhões. Para o Brasil, o impacto potencial supera US$ 432 bilhões, segundo levantamento da Microsoft com a IDC. Para que esse potencial se concretize, é indispensável um ambiente regulatório que estimule inovação, atraia investimentos e mitigue riscos.

Por fim, a construção de um marco legal de IA no Brasil representa mais que um alinhamento com padrões internacionais. Trata-se de definir como equilibrar progresso tecnológico, competitividade econômica e proteção de direitos fundamentais em um contexto de desigualdade estrutural. Isso exige diálogo contínuo entre juristas, engenheiros, legisladores, setor privado e sociedade civil, além de uma legislação flexível e baseada em evidências.

O desafio é grande, mas inevitável. Regular a inteligência artificial de forma estratégica e responsável é condição essencial para consolidar o desenvolvimento tecnológico sustentável do país e preservar direitos em meio à revolução digital em curso.