Acordo Mercosul-União Europeia: os riscos invisíveis de uma integração em curso

Embora ainda não tenha sido ratificado formalmente, o Acordo Mercosul–União Europeia já está produzindo efeitos reais sobre as cadeias produtivas brasileiras. Estima-se que o Brasil possa perder até R$ 17 bilhões por ano em exportações para o bloco europeu devido a barreiras técnicas e regulatórias cada vez mais sofisticadas e restritivas (FGV Europe, 2024).

O tratado, assinado em 2019, pretende estabelecer uma das maiores áreas de livre-comércio do mundo, abrangendo aproximadamente 720 milhões de pessoas e quase 25% do PIB global. No entanto, a disputa contemporânea vai muito além da redução tarifária. O centro da tensão está agora na definição e imposição de regras: ambientais, sociais, sanitárias e climáticas.

A União Europeia tem intensificado suas exigências para garantir que apenas produtos alinhados a critérios sustentáveis entrem no seu mercado. Exigências como desmatamento zero, rastreabilidade completa da cadeia produtiva, cumprimento do Acordo de Paris e transparência trabalhista são hoje pré-requisitos que extrapolam o escopo puramente comercial.

A postura europeia se apoia em legislações robustas e recentes. Em 2023, foi aprovado o EU Deforestation Regulation (EUDR), que estabelece que, a partir de 2025, empresas só poderão importar produtos como soja, carne bovina, madeira e cacau se provarem que suas cadeias são livres de desmatamento após 2020. O não cumprimento dessas normas implicará na exclusão automática do mercado europeu, independentemente da existência de acordos comerciais em vigor (European Commission, 2023).

Essas exigências já têm consequências práticas. Em 2024, o CEO global do Carrefour anunciou que a rede deixaria de comercializar carne bovina oriunda do Mercosul caso o acordo fosse ratificado sem garantias ambientais robustas. A manifestação teve impacto direto no posicionamento político francês: poucos meses depois, a Assembleia Nacional da França aprovou uma moção contra a ratificação do tratado, alegando preocupações com a sustentabilidade.

O problema, no entanto, é menos sobre política e mais sobre timing e preparo. O conteúdo técnico do acordo continua em negociação dentro do Mercosul, com definições importantes sobre cotas tarifárias, padrões sanitários mínimos e mecanismos de compensação comercial em caso de mudança unilateral de regras pela UE. Quem não monitora essas decisões em tempo real, será obrigado a adaptar-se a exigências já consolidadas, sem margem para negociação ou adaptação prévia.

A história já ofereceu um alerta semelhante. Em 2008, a União Europeia suspendeu a importação de carne bovina brasileira, não por questões sanitárias diretas, mas por ausência de rastreabilidade nas fazendas — uma demanda técnica que vinha sendo discutida havia anos. O resultado foi um prejuízo bilionário: as exportações brasileiras para o bloco caíram quase 80% em um único ano, segundo dados do Ministério da Agricultura. Empresas como JBS, Marfrig e Minerva foram fortemente afetadas pela inércia regulatória.

Agora, os desafios são mais complexos e exigem inteligência regulatória contínua. Monitorar comissões técnicas, antecipar padrões contratuais emergentes, preparar cadeias logísticas e fornecedores para atender critérios ESG não é mais uma vantagem competitiva, mas uma necessidade. O não monitoramento ativo expõe empresas a riscos comerciais, financeiros e reputacionais significativos.

O Acordo Mercosul–União Europeia é, cada vez mais, um campo de disputa regulatória. Entender esse cenário exige não apenas atenção ao noticiário, mas presença nas arenas técnicas onde as regras são de fato definidas. A diferença entre manter-se competitivo ou ser excluído do mercado pode estar justamente aí: na capacidade de agir antes que a regra esteja fechada.

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