Governança ambiental como estratégia: o caso Natura e a nova era ESG
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No cenário corporativo contemporâneo, a sustentabilidade deixou de ser um diferencial de marca para se tornar um pilar estratégico de sobrevivência e competitividade. Estudo recente da MSCI revela que empresas com fraco desempenho em critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) enfrentam custos de financiamento até 10% superiores, além de riscos reputacionais e legais significativos. Nesse contexto, a Natura se destaca como um exemplo emblemático de antecipação regulatória e alinhamento estratégico com padrões internacionais de sustentabilidade.
A Natura compreendeu cedo o custo da inação. Segundo estimativas dos principais fundos ESG globais, empresas que não conseguem comprovar seu compromisso com a sustentabilidade e a transparência podem sofrer desvalorização entre 5% e 15%. Ciente desse cenário, a empresa adotou medidas estruturantes muito antes das exigências regulatórias brasileiras entrarem em vigor. Em 2014, tornou-se a primeira companhia de capital aberto do mundo a obter a certificação B Corp, concedida pela organização independente B Lab. Essa certificação atesta o cumprimento de padrões elevados de impacto ambiental, responsabilidade social e governança — mais rigorosos, inclusive, que qualquer regulação nacional vigente à época.
A governança da Natura foi reestruturada com base em três frentes estratégicas de monitoramento regulatório:
- Diretrizes da OCDE (2023): atualizadas recentemente, essas diretrizes passaram a exigir que empresas multinacionais adotem práticas robustas de disclosure ESG, com ênfase em direitos humanos, clima e rastreabilidade na cadeia de fornecimento. A Natura já operava com esse nível de transparência antes mesmo da atualização.
- Legislação europeia (CSRD): a Corporate Sustainability Reporting Directive, que entra plenamente em vigor até 2026, exige de empresas com presença significativa na União Europeia a publicação de relatórios ESG auditados por terceiros, com base nos padrões ESRS (European Sustainability Reporting Standards). Com atuação no continente por meio da The Body Shop e da Avon, a Natura já iniciou sua adaptação.
- Regulação nacional (CVM): a Resolução CVM 193, de 2023, torna obrigatória a divulgação de relatórios de sustentabilidade padronizados a partir de 2026. A Natura, no entanto, já publicava relatórios integrados seguindo metodologias internacionalmente reconhecidas como GRI (Global Reporting Initiative), SASB (Sustainability Accounting Standards Board) e TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures). Atualmente, prepara-se para aderir aos padrões IFRS S1 e S2.
Esse posicionamento proativo trouxe benefícios tangíveis. A empresa foi incluída em índices respeitados como o Dow Jones Sustainability Index e o Top 100 Global da Corporate Knights, sendo listada entre as 50 empresas mais sustentáveis do mundo. Além disso, atraiu o interesse de investidores institucionais de longo prazo, como a BlackRock — maior gestora de ativos do mundo — que adquiriu mais de 68 milhões de ações da Natura em 2024, em uma posição avaliada em quase R$ 2 bilhões.
Outro destaque foi a emissão de US$ 1 bilhão em sustainability-linked bonds (SLBs), com metas atreladas à biodiversidade amazônica e à rastreabilidade da cadeia de suprimentos. Com um modelo de governança ESG já validado e auditável, a Natura se beneficiou de taxas de financiamento mais baixas e maior acesso a mercados exigentes, como o europeu.
O contraponto é evidente: empresas que ignoraram ou retardaram a adequação ESG enfrentaram consequências severas. A Johnson & Johnson sofreu pressão global por manter substâncias tóxicas em produtos infantis. A NARS foi alvo de boicotes ao retomar testes em animais. A e.l.f. Cosmetics pagou multa de quase US$ 1 milhão por falhas na verificação da origem de insumos. Esses episódios ilustram o custo da negligência — não apenas financeiro, mas também reputacional e jurídico.
O caso Natura evidencia uma lição crítica para gestores, investidores e conselheiros: ESG não é mais uma agenda paralela, mas parte intrínseca da estratégia corporativa. Monitorar ativamente o ambiente regulatório, adaptar-se antes da obrigatoriedade legal e estruturar modelos de governança robustos são hoje fatores decisivos de competitividade e longevidade empresarial. Em tempos de transição climática e pressão social crescente, empresas que lideram a agenda ESG não apenas mitigam riscos — elas conquistam vantagem.