Os setores mais regulados do Brasil: uma análise do impacto normativo no desenvolvimento econômico
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A atividade regulatória no Brasil alcançou níveis sem precedentes nos últimos anos, intensificando-se especialmente entre 2020 e 2024. De acordo com a Plataforma RegBR, desenvolvida pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o país editou, apenas em 2020, o maior volume de normas federais regulatórias dos últimos 70 anos: 5.801 atos normativos. Esse número reflete uma tendência de complexificação do ambiente institucional brasileiro, que tem impactado de forma desigual os distintos setores da economia.
Este levantamento baseia-se na classificação dos setores econômicos pelo volume total de atos normativos federais editados no quinquênio de 2020 a 2024, abrangendo leis, decretos e normas infralegais como portarias, resoluções e instruções normativas. A análise foi feita a partir de dados compilados pelo RegBR, com base em publicações de Diários Oficiais da União e das agências reguladoras federais.
O setor de Transportes, Armazenagem e Correios lidera o ranking com uma estimativa de 8.000 a 10.000 normas editadas no período. Trata-se de uma constatação robusta já corroborada por Valle et al. (2022), em estudo publicado na revista PLOS ONE, que identifica o predomínio regulatório desse setor desde o início da série histórica analisada.
Em seguida, aparecem os setores de Eletricidade e Gás (~1.500 normas), Indústrias Extrativas (~1.200) — com destaque para mineração e petróleo —, e o setor de Finanças e Seguros (~1.000), que inclui a regulamentação do sistema financeiro nacional, um dos mais desenvolvidos e supervisionados da América Latina. Os setores de Informação e Comunicação (~800) e Saúde e Serviços Sociais (~600) também figuram entre os mais regulamentados, refletindo a crescente preocupação com inovação tecnológica, proteção de dados, saúde pública e bem-estar social.
Por outro lado, setores como Água e Saneamento Básico (~400 normas), Indústrias de Transformação (~300), Construção Civil (~200) e Comércio, Acomodações e Serviços Imobiliários (<100) apresentam menor densidade normativa no período. Essa discrepância pode indicar áreas em que a regulação ainda está em expansão ou onde há menor intervenção estatal direta, o que não necessariamente implica ausência de riscos regulatórios, mas sim diferentes estágios de maturidade institucional.
A produção normativa no Brasil é frequentemente apontada como um obstáculo à segurança jurídica e à previsibilidade dos agentes econômicos. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), por exemplo, revelou em 2023 que o país editou mais de 6,5 milhões de normas em todas as esferas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, evidenciando o caráter hipernormativo do Estado brasileiro.
A intensa regulação em setores estratégicos, como transporte, energia e finanças, deve ser compreendida à luz do princípio da regulação econômica como mecanismo de correção de falhas de mercado e garantia do interesse público. No entanto, o excesso de normas e a constante mudança do marco regulatório podem gerar efeitos adversos, como aumento de custos de conformidade, incertezas jurídicas e retração de investimentos.
Portanto, compreender o panorama regulatório brasileiro não é apenas um exercício de mapeamento legal, mas um imperativo para a formulação de políticas públicas mais eficazes e alinhadas ao desenvolvimento econômico sustentável. A racionalização da atividade normativa, aliada a instrumentos de análise de impacto regulatório (AIR), pode contribuir para um ambiente de negócios mais estável, transparente e favorável à inovação e à competitividade.